Artigo: A fé com pedras nas mãos

Compartilhe esta notícia:

Por: Isabela Nascimento*

Desde o ventre da minha mãe, estive dentro da igreja – especificamente a católica. Foi nesse meio que, entre liturgias, catequese, letras de canto e homilias, aprendi os ideais de Cristo e seus ensinamentos. Hoje, porém, ou eu, como tantos outros, entenderam tudo errado ou o caos político vigente escancarou as distorções da fé em nosso país.

A passagem do Padre Paulo Mazzi pela nossa cidade me impeliu a escrever esse texto, de modo a representar as tantas vozes que pensam da mesma forma. Para quem não sabe, Pe. Paulo Mazzi esteve atuando na Matriz de São Sebastião neste ano e foi vítima de intimidações, ofensas e injúrias por parte de alguns “católicos”. Acontecimento extremamente lamentável, pois o Padre foi aclamado pela grande maioria que com ele conviveu, devido a sua sabedoria e atuação cativante. O que gerou, afinal, os ataques ao Padre? O embate anormal entre dois grandes pilares sociais: a religião e a política.

Que essa relação é antiga e delicada, nós já sabemos, porém, de uns anos para cá e com força nunca antes vista, muitas igrejas de diferentes credos tornaram-se palanques políticos para ideias violentas e oportunistas. Louvores citando o nome de candidatos, cultos direcionados a induzir o voto, perseguição de fiéis que não se submeteram e até mesmo assassinatos e ameaças dentro dos templos ocorreram. Foram diversos os vídeos e áudios registrando esses acontecimentos, que encheram de incredulidade os que assistiam.

Mas, algo particularmente curioso e assustador aconteceu na Igreja católica. Se em igrejas de outros seguimentos a fala a favor de um candidato era explícita e imposta, na comunidade católica ocorreu o inverso: o não dito foi condenado ou o dito foi distorcido.

Explico: muitos cristãos mostraram-se desejosos de imposições vindas da igreja a favor do extremismo (Bolsonaro) e, quando isso não ocorreu, passaram a ver “sugestões ao adversário” até mesmo em homilias. Padres foram atacados no exercício de sua missão, xingados publicamente, Bispos vaiados na Basílica de Nossa Senhora.  Nos dias de hoje, tais representantes da fé parecem estar proibidos de usar metáforas, falar sobre a fome, os pobres, os oprimidos ou ainda sobre cultivar a paz. Usar vermelho nos mantos ou paramentos litúrgicos? Nem pensar! Pois tudo virou menção à Lula, comunismo ou PT. Assim, católicos reativos e talvez “enlouquecidos” plantam desavenças e terror em diversas regiões do país.

Talvez se esqueceram do Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas e João em que Jesus ensina a partilha do pão “Dai-lhes vós mesmos de comer”, afinal, para eles isso é “coisa de petista”. E nem ouse falar sobre a fome que assola nosso país, pois ser cristão é ignorar a realidade, na concepção de muitos.

No evangelho de Mateus encontramos a passagem em que Jesus orienta: “Guarda tua espada no seu lugar, pois todos que pegam a espada, pela espada perecerão,” (Mt, 26: 52) Ou ainda aquela que nos ensina sobre vingança: “Amar os inimigos e rezar por eles” (Mt, 5: 43-45). Entretanto, nos dois últimos meses o Brasil registrou duas mil novas armas por dia nas mãos dos cidadãos, enquanto brasileiros foram violentamente mortos por manifestar sua opção política. Mas isso eles também ignoram.

E os pobres e oprimidos? Muitos pularam o trecho do evangelho em que Jesus diz: “Venda seus bens e doe aos pobres e terás um tesouro nos céus” (Mt, 19:21), uma vez que isso é “coisa de comunista” (Sabe-se lá o que isso queira dizer, pois 90% dos que usam o termo, não o compreendem)

Diante de tudo isso, noto que as igrejas realmente estão sofrendo perseguições, mas não da maneira como dizem as teorias conspiratórias. A verdade é que, ironicamente, os próprios cristãos poderão fechá-las para criar suas próprias seitas, pois censuram e acusam padres ou fiéis por falarem o que está na palavra de Deus e trazê-la para os dias atuais. Vejam o tamanho da lavagem cerebral com a qual convivemos.

Convicções e preconceitos particulares tomaram o lugar da verdade de Cristo, que é, inegavelmente, ligada ao amor, união e compaixão. E o que essa distorção gera? Religiosos que, se lá estivessem, apedrejariam sem hesitar a mulher em praça pública (João 8, 1-11) além de atacar àquele que a defendia: Jesus.

Finalizo demonstrando minha solidariedade a todos os padres e fiéis que foram atacados ou coagidos durante este período. O respeito precisa continuar sendo o carro-chefe de nossa convivência enquanto sociedade. Espero que 2023 traga bons ventos para todos os credos e espiritualidades, e que, acima de tudo, Messias, neste Natal, volte a ser unicamente o menino que nasceu na manjedoura em Belém.

*Isabela Nascimento é Professora de Redação e Espanhol, Bacharela em Letras e Mestra em Estudos Literários.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: